A Lei nº 12.846/13, conhecida como “Lei Anticorrupção” ou “Lei da Empresa Limpa” dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Nesse sentido, além da possibilidade de aplicação de sanções severas às empresas no âmbito de um processo administrativo de responsabilização, a referida lei também atribuiu especial relevância às medidas anticorrupção adotadas pelas empresas, servindo, inclusive, de fator atenuante em eventual processo de responsabilização e celebração de acordos de leniência.
Segundo o art. 41 do Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei nº 12.846/13, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Portanto, o Programa de Integridade nada mais é do que o conjunto de medidas anticorrupção que é adotado por uma empresa, especialmente com o intuito de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Destaca-se que muitos entes federativos passaram a exigir em procedimentos licitatórios que as empresas interessadas possuam Programas de Integridade como condição para celebração de contratos administrativos.
De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), são pilares interdependentes do Programa de Integridade:
Para a efetividade de um Programa de Integridade, é fundamental o apoio da alta direção da empresa e a demonstração do seu comprometimento com a cultura ética e de respeito às leis. O comprometimento da alta direção da empresa é a base para a criação de uma cultura organizacional em que funcionários e terceiros (fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados) prezam realmente pela conduta ética. Contudo, se por um lado o comprometimento da alta direção engaja funcionários e terceiros na internalização da cultura ética, a ausência de comprometimento resulta no descompromisso dos demais funcionários e de terceiros, uma vez que estes podem se sentir propensos a burlar as regras de ética e conduta.
Com o apoio da alta direção, é primordial definir a instância destinada a desenvolver, aplicar e monitorar o Programa de Integridade, o que pode ocorrer pela criação de uma estrutura formal de compliance ou pela nomeação de um profissional para a função, o Compliance Officer.
Tal instância deve possuir autonomia para tomar decisões e implementar as ações cabíveis, autoridade para indicar as mudanças necessárias, competência para garantir a efetiva apuração de indícios de irregularidades e independência para seus profissionais, estabelecendo mecanismos de proteção contra punições arbitrárias. Ademais, a instância deve ser dotada de imparcialidade e recursos materiais, humanos e financeiros para o seu pleno funcionamento, com possibilidade de acesso direto, quando necessário, ao nível hierárquico mais elevado da empresa.
É essencial para um programa de integridade que a empresa conheça, a partir do seu porte e especificidades, seus processos e sua estrutura organizacional, sua área de atuação no mercado, seus parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público, seja nacional ou estrangeiro, e suas participações societárias que envolvam pessoa jurídica na condição de controladora, controlada, coligada ou consorciada, para que, a partir dessas informações de perfil da empresa, seja possível identificar, analisar, avaliar e tratar dos riscos de cometimento de atos lesivos à Lei nº 12.846/2013 adequadamente.
Vale dizer, a avaliação de riscos é a probabilidade do cometimento de atos de fraude e corrupção, inclusive relacionados à licitações e contratos administrativos, e o respectivo impacto desses atos nas atividades empresariais. É com base nos riscos identificados que serão criadas regras, políticas e procedimentos para prevenir, detectar e remediar a ocorrência de irregularidades, razão pela qual o mapeamento de riscos deve ser periodicamente atualizado.
Assim, a partir do perfil e dos riscos identificados, deve-se elaborar – e atualizar periodicamente – o Código de Ética e/ou Conduta da empresa, um documento que estabelece os valores, princípios e condutas esperados de todos os funcionários, dirigentes e terceiros relacionados com a empresa, estabelecendo os padrões desejáveis, bem como as regras, políticas e procedimentos para mitigar e prevenir os riscos, incluindo, quando for o caso, a criação de políticas relativas: ao relacionamento com o setor público; ao oferecimento de hospitalidade, brindes e presentes a agente público nacional ou estrangeiro; a registros e controles contábeis; à contratação de terceiros; às fusões, aquisições e reestruturações societárias; e aos patrocínios e doações.
É importante que o Código de Ética e/ou Conduta esteja acessível ao público interno e externo, sobretudo parceiros de negócios e clientes, e que seja claro, conciso e com linguagem de fácil compreensão para potencializar a sua difusão.
É igualmente importante desenvolver mecanismos de detecção, reportes e investigações internas de irregularidades, incluindo mecanismos de controle interno e auditorias de conformidade, criando alertas; canais de denúncias, com mecanismos de proteção ao denunciante de boa-fé; medidas disciplinares e ações de remediação.
Ainda, para a efetividade de um Programa de Integridade deve-se estabelecer um plano de comunicação e treinamento com estratégias específicas para os diferentes grupos da empresa. Além disso, a empresa deve criar canal para o esclarecimento de dúvidas e o fornecimento de orientações quanto ao Programa de Integridade. Isso porque, é essencial que todos da empresa saibam da existência do Programa de Integridade, de como e quando aplicá-lo.
Por fim, a CGU indica como pilar do Programa de Integridade a adoção de estratégias de monitoramento contínuo, isto é, adoção de procedimentos de verificação da aplicação do Programa de Integridade à cultura da empresa, ao seu modo de operação. Nesse aspecto, deve-se criar mecanismos para utilizar as deficiências eventualmente encontradas no aperfeiçoamento e a atualização contínuos do Programa de Integridade. Para tanto, é preciso garantir que o Programa de Integridade tenha sido incorporado à rotina da empresa e que sua instância responsável atue de maneira integrada com áreas correlatas, como departamento jurídico, departamento contábil-financeiro, auditoria interna e recursos humanos.
Obs.: Apesar de não estar descrito como pilar pela CGU, a promoção de diversidade e inclusão no ambiente no ambiente organizacional é um fator que está ganhando cada vez mais destaque.
É importante ressaltar, contudo, que não há uma fórmula pré-estabelecida para a criação de um Programa de Integridade efetivo, ele deve ser criado para atender às necessidades específicas de cada empresa, levando em consideração suas características e riscos da área de negócio, previamente identificados na análise de perfil e riscos, sob pena de ser ineficaz e até mesmo considerado inexistente em um eventual processo de responsabilização.
Pelo exposto, verifica-se que o Programa de Integridade é um mecanismo de defesa da empresa que, para além de evitar punições decorrentes de processos de responsabilização, constitui investimento ao próprio negócio, uma vez que, atualmente, o mercado valoriza empresas comprometidas com a integridade, podendo garantir até mesmo vantagem competitiva em relação aos concorrentes e critérios diferenciais na obtenção de investimentos, créditos ou financiamentos. Isso porque, uma boa reputação é capaz de gerar valor agregado que maximiza lucros e reduz custos.
Por Rafaela Pitta em 09.12.2020
Governança corporativa e compliance / coordenadores Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Jéssica Acocella – Salvador: Editora JusPodivm, 2019, 256 p.