No dia 19 de abril de 2022, participei de um evento com intensos debates regulatórios no campo de competência da Agência Nacional de Mineração (ANM).
O encontro aconteceu na Federação das Indústrias do Espírito Santo (FINDES) e contou com membros da Diretoria Colegiada da ANM, os Srs. Guilherme Santana e Roger Cabral, além de profissionais de alto gabarito do setor da mineração, empresários e prestadores de serviços.
É importante destacar que deve ser encarado com extrema naturalidade encontros entre o agente público regulador e os setores regulados, afinal, a a construção regulatória tem como característica a participação, o debate e a compreensão mútua das dores dos atores que, muitas das vezes, têm uma relação de causa e efeito (por exemplo, a precariedade na estrutura da agência, que causa morosidade na análise de requerimentos).
Não é de hoje que se alardeia a condição de precariedade quantitativa de recursos financeiros e humanos ANM, que teria apenas cerca de duas centenas de fiscais para monitorar 35 mil minas no Brasil.
Se os recursos são escassos, cabe a todos, sociedade, regulador e regulados, inovarem. Melhorar processos para que haja resposta satisfatória para problemas antigos, já que as soluções atualmente na mesa não têm resolutividade a contento.
Assim, voltando ao encontro, ouvi propósitos alvissareiros por parte dos representantes da autoridade nacional de gestão do patrimônio mineral e passo a reportar alguns deles.
Todo órgão licenciador/regulador precisa buscar meios de se evitar a subjetividade nas análises processuais, os critérios objetivos trazem maior segurança jurídica. Essa pretensão foi manifestada ontem.
Também foi bom ouvir que há possibilidade de ampliação de delegação de determinadas competências para as regionais da ANM, diminuindo a necessidade de matérias que devam ser decididas pela diretoria colegiada da agência em Brasília. Não é possível que temas de menor complexidade tenham que passar pelo crivo de 5 diretores que se reúnem ordinariamente um vez por mês, em detrimento de um ato administrativo que pode ser emitido regionalmente a qualquer hora dos dias da semana.
Em ambos os casos, teríamos o rompimento de barreiras historicamente perniciosas, agora resta saber como serão superadas.
Eis o tema mais importante e delicado, mas é consenso a necessidade de se romper com uma cultura entranhada no senso comum: gestão mineral não é gestão de recurso natural, não cabe à ANM o controle ambiental.
A competência da ANM não pode se misturar com as atribuições dos órgãos de controle ambiental, por muitas razões.
A ANM não integra o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), não estando sujeita a limites e orientações específicas da Política Nacional de Meio Ambiente. Esse fato, além de representar uma descontextualização temática e política, gera uma temeridade administrativa, pois se espera de um gestor de um recurso mineral (eminentemente patrimonial – da União) tenha a expertise de gerir um bem jurídico de uso comum do povo, difuso, que não tem proprietário, o meio ambiente.
Que se deixe o meio ambiente para quem tem a especialidade, para quem detém a atribuição legal, da lei formal e constitucional, e que esse exerça em toda a sua plenitude, obviamente que aqui não se está defendendo retrocessos de proteção aos recursos naturais. O que não pode é esperar que a ANM o faça, destine seus parcos recursos a uma tutela que a lei ordinária não lhe atribuiu.
Me parece que a ANM está disposta a trazer esse debate à tona e encará-lo com a seriedade necessária. É oportuno, pois algumas das alterações promovidas pelo Decreto nº 10.965/22 no Decreto nº 9.406/18 (Regulamento do Código de Mineração) vão no sentido oposto ao trazerem para o ambiente da agência matérias de cunho eminentemente ambiental (especificamente os incisos XXI, XXIII e XXIV do artigo 34).
Nada obstante, ao que tudo indica, a ANM pretende dar enfoque na fiscalização da obrigação constitucional do minerador em fechar a mina ao final das atividades, até para evitar judicialização e uma possível condenação solidária nesse sentido, em caso de ausência de cumprimento por parte do particular. Por outro lado, foi dito que até o fim deste ano haverá Instrução Normativa para regulamentar o Plano de Fechamento de Mina de empreendimentos mais simples (isto é, regulamentarão o art. 18 da Resolução ANM nº 68/2021).
Nesse caso, as gestões mineral e ambiental se confundem sobremaneira, pois uma mina abandonada pode dar ensejo a uma invasão e exploração dos recursos minerais sem consentimento, portanto, me parece justificável o propósito.
Por fim, deverá haver alterações na Resolução ANM nº 37/2020 que trata das Guias de Utilização, seguem dois exemplos.
Primeiro, para escoimar a restrição de emissão de GU quando houver registro de exploração irregular (art. 105, IV).
Segundo, para alterar a possibilidade de emissão de guia sem licença ambiental (art. 107). Contextualizando, a Resolução determina que a eficácia daquela está condicionada à emissão dessa.
O assunto está sendo deliberado (Procedimento ANM nº 48051.002157/2021-33) e deve sim haver a mudança, mas não tão radical, pois se tentará manter a análise do pedido de GU com vinculação mínima ao procedimento de licenciamento ambiental, podendo ser emitida uma “minuta de GU” que, com mais facilidade, se converterá em guia, de fato, com a obtenção da licença ambiental ou documento equivalente.
Ficamos na expectativa da confirmação desses anseios, que possamos participar desses debates, para que o futuro não seja igual ao passado.
Victor Athayde Silva é especialista em Direito Público, mestrando em gestão e regulação de Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Espírito Santo, sócio do escritório David & Athayde Advogados e realiza consultoria em direito administrativo, integridade corporativa, licitações, contratos administrativos, ambiental, minerário e urbanístico.