Entrevista concedida em 13/02/2023
O sócio Rogério David conversou com o portal E-Commerce Brasil sobre a quebra das sentenças transitadas em julgado e como isso pode afetar o e-commerce brasileiro. Confira e deixe seu comentário.
Como se não bastasse a alta dos juros e da inflação, tudo indica que o setor do varejo poderá sofrer ainda mais com a última decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso porque o Supremo Tribunal Federal determinou que empresas deverão liquidar pagamentos retroativos relacionados a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), além do recolhimento de 9% dos seus lucros.
No caso do Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, a dívida a ser quitada chega ao valor de R$ 290 milhões, que pode ficar ainda maior de acordo com o levantamento. O Goldman Sachs estima que uma alíquota de imposto de renda 9% maior no país geraria um aumento de 2 a 2,5 pontos percentuais no consolidado da taxa de imposto do GPA.
O advogado tributarista Rogério David (da David & Athayde Advogados) explica que os contribuintes sempre podem questionar a constitucionalidade de algum tributo na justiça. “Imagina um exemplo em que uma empresa tenha vencido uma disputa no passado, mas tempos depois o STF altere a sua jurisprudência. Então, o que estava acontecendo era o famoso ‘quem levou, levou, quem não levou não leva mais’. Só que isso causa um problema concorrencial entre os negócios, pois uma empresa constituída após a alteração da jurisprudência jamais conseguiria deixar de pagar legalmente o mesmo tributo que sua concorrente”.
Por dentro da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
Segundo David, quando esse tributo foi instituído em 1988, havia um entendimento pela sua inconstitucionalidade e algumas empresas venceram essas ações, com sentença definitiva — fazendo com que nunca mais tivessem que pagar a CSLL. No entanto, em 2007 o STF fixou jurisprudência vinculante a favor da CSLL. “Dessa forma, desde 2007 é zero a chance de alguma empresa vencer uma ação judicial com esse tema. Só que o fisco sempre viu com maus olhos esse cenário e desenvolveu uma tese de relativização das sentenças definitivas em matéria tributária”.
Para simplificar, de agora em diante, quando o STF mudar o entendimento de maneira vinculante, acabará o efeito da sentença que aquela empresa tinha e ela passará a ter que voltar a pagar o tributo após noventa dias ou no ano seguinte, a depender do tributo. David diz que muitas teses que antes eram favoráveis aos contribuintes foram alteradas pelo STF em 2017, 2020 e por aí vai. “A meu ver, se o STF julgou só em 2023 essa relativização das sentenças definitivas em matéria tributária, deveria valer apenas para os recolhimentos vindouros. No entanto, não foi o que aconteceu e isso só reforça a insegurança jurídica que existe no Brasil”.
Impactos da CSLL no e-commerce
O reflexo dessa cobrança será à princípio em ao menos 30 grandes grupos. Entre eles, o Estadão destacou Embraer, Pão de Açúcar (GPA), BMG, Zurich Seguros, Banco de Brasília (BRB), Holding Alfa, Samarco, Magnesita, Grupo Ale Combustíveis e Kaiser. Na Embraer, por exemplo, o impacto estimado é de, no mínimo, R$ 1,16 bilhão por ano, calculado a partir do último balanço trimestral da empresa.
Sobre os impactos da CSLL no e-commerce, o advogado afirma que ainda é possível olhar para o copo meio cheio. “As empresas do e-commerce ao menos terão agora a certeza que irão concorrer em condições de igualdade caso algum concorrente tenha vantagem por deixar de recolher um tributo que ela jamais conseguirá deixar de recolher, na hipótese de ter havido a chamada ‘mutação jurisprudencial’. O principal problema, a meu ver, foi a absurda retroatividade dos efeitos desse julgamento. Como não existe almoço grátis, se algum fornecedor tiver de suportar um tributo não provisionado possivelmente haverá aumento no preço do produto”.
Vale ressaltar que a decisão recente do STF também pode envolver outros tributos, como é o caso do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre a revenda de artigos importados.
Entrevista concedida a Giuliano Gonçalves.