Por Victor Athayde e João Pedro Goulart em 03/04/2023
Respondendo a primeira questão objetivamente e sem delongas: Governança Corporativa é o conjunto de práticas, políticas e diretrizes que visam garantir a gestão ética e transparente nas empresas. Ao longo dos anos, essa ferramenta vem se tornando peça chave no desenvolvimento de diversos gigantes do ramo de cosméticos, tecnologia, varejo (juntamente com a sustentabilidade e a responsabilidade social, que também compõem a sigla ESG).
Agora a segunda questão: a presença da governança é tão importante, que já ultrapassou a barreira do setor privado, alcançando também diversos entes públicos. A verdade é que paulatinamente os órgãos públicos têm estabelecido programas de integridade, códigos de conduta, padrões de comportamento, sobretudo, para estabelecer a excelência na governança pública. Inclusive, as boas práticas de governança permeiam justamente a relação público x privado.
Apenas para ilustrar, recentemente, o TCU deu mais um indício de que a governança é essencial ao setor público, quando determinou a apreensão das joias, que, supostamente, teriam sido presenteadas ao ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro. Sem adentrar ao contexto político dos fatos, é certo que os procedimentos que tratam de brindes, presentes e entretenimento são inegavelmente uma preocupação da boa governança (pública ou privada), seja sob a ótica de quem recebe, e principalmente de quem dá.
A discussão sobre essa polêmica específica, inclusive, trouxe à baila uma suposta falta de precisão dos critérios para recebimento de presentes por parte de detentores de cargos eletivos e, se supostamente a norma não fornece parâmetros para o público, é prudente que o privado as estabeleça administrativamente no seu âmbito, criando e divulgando políticas (no caso, de brindes e presentes para autoridades públicas). Isso é governança, mais uma vez.
Com efeito, segundo dados da consultoria McKinsey, empresas que implementam as boas práticas de governança podem apresentar um aumento de até 20% no valor de suas ações em relação às empresas que não priorizam essa prática.
No mesmo sentido, em 2021, a Ernest Young realizou pesquisa, que comprovou que 90% de 324 líderes sêniores de investimento “dão mais importância ao desempenho ESG quando se trata de suas estratégias de investimento e tomadas de decisões”.
Os especialistas entendem que o aumento do valor das ações e investimentos decorre da relação de confiança estabelecida com o mercado, sobretudo, porque a governança confere maior credibilidade à empresa e os acionistas e stakeholders entendem que os seus direitos estão mais protegidos pelas melhores práticas.
Em outras palavras, pode-se dizer que os princípios da governança (transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa) demonstram que as estratégias na condução da companhia devem estar atreladas a uma ideia de integridade corporativa inegociável, que, embora seja louvável, também é lucrativa.
Atualmente, a partir da iniciativa da IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), é possível buscar referências de governança que são compartilhadas por diversos players do mercado tanto no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, como no Código Brasileiro de Governança Corporativa (para companhias abertas). Ou seja, um avanço e tanto na gestão empresarial.
Diversas empresas surfam nessa onda de governança e têm colhido frutos (ex: Natura, Apple, Microsoft, Itaú). No caso da Natura, a empresa brasileira já foi diversas vezes premiada por sua governança e coleciona bons números no mercado de capitais após quase 20 anos de seu IPO, tendo, inclusive, adquirido a concorrente Avon em 2020. Talvez a governança seja o pilar que a mantém firme durante esses últimos anos de instabilidade.
Por outro lado, é necessário ter em mente que a “desgovernança” pode ser fatal. Um exemplo disso é o caso da empresa de energia Enron, que, em 2001, entrou em colapso por conta de fraudes contábeis e de relatórios financeiros falsos, e, além de falir, gerou prejuízos bilionários para investidores e acionistas. O dano foi tão severo que em 2002 foi sancionada a Lei Sarbanes-Oxley, que buscou, justamente, devolver a credibilidade ao mercado norte-americano.
Por fim, mas não menos importante, a boa governança também é essencial para pequenas e médias empresas (inclusive, start-ups), pois são verdadeira oportunidade para a celebração de contratos com grandes empresas, que primam por estes valores. Além disso, cada vez mais a preocupação do Poder Público torna obrigatória a observância de um bom padrão de conduta corporativa em suas contratações, como a exigência de programa de integridade para a assinatura de contratos de “grande vulto” (art. 25, §4º[1], da Lei n.º 14.133/21).
Além disso, bancos de desenvolvimento (como o BNDES) analisam o histórico de empresas solicitantes de financiamento e avaliam se há risco de não serem cumpridas obrigações contratuais, que, por vezes, incluem compromisso anticorrupção, por exemplo. Ou seja, mais um motivo para compreender que a boa governança não somente abre portas, mas principalmente as mantêm abertas.
Em suma, se a governança corporativa for deixada de lado, a empresa corre sérios riscos de colecionar prejuízos, se a governança for implementada (segundo a boa prática de mercado) há grandes chances de se melhorar o valor de mercado da companhia. Portanto, seja para o mal ou para o bem, a governança (ou a ausência dela) pode transformar a sua empresa.
Autores:
Victor Athayde Silva é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e realiza consultoria em Direito Administrativo, Regulatório, Integridade Corporativa, Licitações, Contratos Administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.
João Pedro Riff Goulart é sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em Direito Econômico e Regulatório e realiza consultoria em Direito Administrativo, Regulatório, Integridade Corporativa, Licitações e Contratos Administrativos.
[1] Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento. […] § 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.