Por Victor Athayde em 16/10/2023
Em setembro de 2015, chefes de Estado e de governo e altos representantes de diversas nações firmaram a Agenda 2030, com o objetivo de, nos 15 anos seguintes, acabar com a pobreza e a fome; combater as desigualdades (dentro e entre os países); construir sociedades pacíficas, justas e inclusivas; proteger os direitos humanos e promover a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres e meninas; e assegurar a proteção duradoura do planeta e seus recursos naturais, tudo isso associado a criação de condições para um crescimento sustentável, inclusivo e economicamente sustentado.
A Agenda 2030 definiu que ninguém será deixado para trás e estabeleceu um plano em que estão previstos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cada um com diversas metas.
No ano seguinte, o Brasil criou a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (CNODS) “com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao processo de implementação da Agenda 2030” dos ODSs da ONU, conforme previsão do art. 1º do Decreto 8.892/2016. A CNODS, segundo o art. 6º do mesmo decreto, era assessorada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ambos os institutos se incumbiram de internalizar à realidade nacional os 17 ODS e suas respectivas metas. Além disso, foram criados indicadores para medir o atendimento de parte delas (veja, IPEA e IBGE). O IBGE estabeleceu uma escala que informava se os dados referentes a cada indicador formulado pelo Brasil estavam sendo produzidos; em análise/construção; sem dados ou se não se aplicaria ao Brasil.
Pois bem, essa estrutura submergiu no fim de 2019, uma vez que lamentavelmente decreto que criara a CNODS foi revogado pelo Decreto 10.179/2019. Entretanto, já no início de um novo governo, em janeiro de 2023, o regulamento que deu vida à comissão foi revigorado pelo Decreto 11.397/2023.
Não se sabe o que de fato a CNODS efetivamente produziu depois que ressurgiu para o mundo jurídico, talvez nada. Entretanto, no discurso inaugural da Assembleia Geral da ONU, de 19 de setembro de 2023, foi dito que, tendo a humanidade chegado à metade do percurso da Agenda 2030, essa que seria “mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento […] pode se transformar no seu maior fracasso”. Afirmou-se, ainda, que a maior parte dos ODS não teve suas metas atingidas.
O fato é que cinco dias antes do discurso, o Decreto 11.704/2023 foi assinado, dando nova roupagem à CNODS, tornando-a mais inclusiva e agregando a Fundação Oswaldo Cruz às organizações de assessoramento. A esperança é a de que agora vai, parece haver o que há de mais importante para que as ações governamentais ganhem marcha: vontade política.
É claro que os ODS devem estar no radar de toda a sociedade, inclusive de grandes empresas, principalmente as que têm suas atividades econômicas atreladas à recursos naturais. Mas é o governo quem deve dar o principal exemplo, até porque a operacionalização dos ODS e suas metas podem ressignificar diversas relações humanas, podem ser disruptivas no que se refere a serviços públicos, inclusive do Poder Judiciário, uma vez que o acesso à justiça também é uma meta (ODS 16) que se relaciona à sustentabilidade, e esse não pode se limitar ao sistema de justiça, mas a todos os métodos alternativos de solução de conflitos que produzam uma decisão justa e em tempo razoável.
Verdadeiramente, a implementação dos ODS no Brasil, dado seu caráter inclusivo e em busca de uma sociedade igualitária, poderia impulsionar um novo Estado de Direito, desejada na Constituição de 1988, mas longe de ser devidamente concretizada.
Ao contrário, em memorando de maio de 2023, o diplomata Clément Nyaletsossi Voule, Relator Especial das Nações Unidas sobre os Direitos à Liberdade de Assembleia Pacífica e de Associação, após visita ao Brasil, afirmou que o país teve retrocesso nos foros de democracia participativa. Houve a constatação de que a participação social na definição de políticas públicas e tomada de decisões foi paulatinamente estrangulada nos últimos anos, em que pese reconhecer os esforços do novo governo eleito ao fim de 2022 no sentido de reverter esse quadro. A prova disso é justamente o incremento da participação social na CNODS, foi de 8 organizações, para 40, conforme nova redação do inciso IV[1], do art. 3º do Decreto 11.704/2023.
Nesse sentido, é importante lembrar o prêmio Nobel de economia Douglas North que, ao ponderar o porquê de determinadas nações se desenvolverem ou não, considerou que o desenvolvimento está associado à qualidade das instituições (Estado de Direito; direito de propriedade e ideologias) que cada sociedade foi capaz de erigir e, ao mesmo tempo, para o bem e para o mal, o “Estado é o principal agente capaz de promover mudanças da matriz institucional de uma sociedade e, portanto, alterar a sua trajetória de desenvolvimento”[2]. E acrescento, desenvolvimento só é, se for sustentável.
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[1] “Art. 3º A Comissão Nacional será composta por:
[…]
IV – quarenta e um representantes da sociedade civil.”
[2] Costa, Eduardo José Monteiro da. A teoria das instituições e da mudança institucional de Douglass North: cultura, estado e dependência de trajetória. In: Cadernos CEPEC, Belém, v. 08, n. 02, p. 64-86, dezembro de 2019.