Por Daniel Bernardo, sócio do David e Athayde em 12/08/2025
Empresas em recuperação judicial enfrentam o desafio de equilibrar reestruturação financeira e cumprimento das obrigações trabalhistas. Este artigo aborda os principais limites legais e estratégias possíveis para evitar riscos jurídicos.
No entanto, a reestruturação financeira geralmente exige adequações na estrutura de pessoal, o que levanta questões delicadas envolvendo limites legais para rescisões, alterações contratuais e negociações com empregados.
Diante disso, analisa-se, neste artigo, sob uma perspectiva técnica e jurídica, os limites e possibilidades da empresa em RJ frente aos contratos de trabalho, considerando a CLT, a Lei 11.101/2005 e a jurisprudência atual.
Ponto crucial a ser analisado é o da autonomia da empresa em recuperação judicial frente à legislação trabalhista. Isso porque o deferimento do processamento da recuperação não suspende os contratos de trabalho, tampouco confere à empresa poderes para descumpri-los unilateralmente. A CLT continua plenamente aplicável, inclusive quanto à estabilidade, jornada, remuneração e normas coletivas, por exemplo.
Portanto, toda modificação contratual deve observar os limites do art. 468 da CLT, que exige mútuo consentimento e não prejuízo direto ou indireto ao empregado.
Uma dúvida constante das empresas se refere às demissões durante a recuperação judicial, como proceder?
A Lei 11.101/2005 não proíbe demissões de empregados durante a recuperação judicial, desde que respeitados os direitos legais e convencionais.
Sendo assim, a empresa pode adotar estratégias como:
• Dispensas sem justa causa, com pagamento integral das verbas rescisórias, pois em caso de inadimplemento incidirão as multas dos artigos 467 e 477, §8º da CLT;
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. VERBAS RESCISÓRIAS. A recuperação judicial não impede o pagamento das verbas rescisórias. A Súmula 388 do TST somente se aplica à massa falida. A condição financeira da recorrente não pode servir como fundamento à falta de pagamento das verbas rescisórias, pois não há como transferir o risco do negócio ao empregado. A recuperação judicial não impede o pagamento dos títulos rescisórios, vez que a empresa continua mantendo sua atividade econômica, permanecendo o empregador com disponibilidade sobre seus bens. Recurso da reclamada improvido. (TRT-2 10007853520215020322 SP, Relator.: BEATRIZ HELENA MIGUEL JIACOMINI, 6ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 02/06/2022) (g. n.)
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA UTC ENGENHARIA S.A. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MULTA DO ART. 467 DA CLT. O entendimento pacífico desta Corte é de que o descumprimento das obrigações da empresa quanto ao não pagamento das verbas incontroversas na data do seu comparecimento à Justiça do Trabalho ou o atraso na quitação das verbas rescisórias enseja a incidência das multas previstas nos arts. 467 e 477, § 8º, da CLT, respectivamente, não se aplicando a Súmula 388 do TST às empresas em recuperação judicial, mas tão somente à massa falida. Precedentes. Agravo não provido. (TST – AIRR: 0010541-70 .2019.5.03.0179, Relator.: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 28/02/2024, 8ª Turma, Data de Publicação: 05/03/2024) (g. n.)
• Planos de Demissão Voluntária – “PDV” –, que podem ser incluídos no plano de recuperação, desde que homologados por sindicatos e autorizados judicialmente;
• Encerramento de setores ou reestruturação operacional, desde que não haja desvio de finalidade, com base no artigo 50 da Lei 11.101/2005.
Repise-se que a Jurisprudência do TST tem reafirmado que a recuperação judicial não justifica o inadimplemento das verbas rescisórias, pois a Corte possui entendimento de que a empresa em tal processo continua a ter seus ativos e pode continuar com o seu processo produtivo. A Súmula 388 do TST, que dispensa o pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477, §8º da CLT, aplica-se apenas à falência.
Outra dúvida frequente refere-se à possibilidade de redução salarial e de jornada.
Nesse aspecto, a redução de jornada e salário só é válida quando: a) prevista em instrumento objeto de negociação coletiva (art. 7º, VI, CF/88), ou b) se aplicadas as medidas excepcionais, como as enfrentadas na pandemia dos últimos anos.
O STF validou a prevalência do negociado sobre o legislado, o que dá margem a acordos coletivos mais flexíveis, desde que seja assegurado um patamar civilizatório mínimo ao trabalhador, ou seja, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Ainda nesse aspecto, pode-se questionar sobre a possibilidade criada pela Lei 13.467/2017 – Reforma Trabalhista – no que se refere a acordos individuais extrajudiciais. É possível na recuperação judicial? Depende.
A possibilidade existe, contudo, com ressalvas importantes. Em primeiro aspecto, um acordo extrajudicial trabalhista só é válido e passível de homologação pela Justiça se não prejudicar os demais credores e estiver de acordo com o plano de recuperação judicial da empresa.
O TST possui entendimento de que acordos celebrados após o pedido de recuperação judicial devem ser submetidos ao juízo universal e não podem afetar a par conditio creditorum, ou seja, o tratamento igualitário dos credores, o que inviabiliza a homologação em alguns casos. Acordos firmados em período anterior à recuperação e inadimplidos sujeitam-se à RJ, já que as obrigações anteriores à recuperação judicial devem observar as condições originalmente contratadas, nos termos do artigo 49, §2º da Lei n.º 11.101/2005.
Por fim, importante ressaltar dois pontos:
O primeiro ponto também objeto de constante dúvida refere-se ao recolhimento de FGTS:
• Os valores de FGTS não depositados antes da recuperação judicial devem ser incluídos no plano de recuperação e pagos juntamente com os outros créditos trabalhistas;
• Já os débitos de FGTS após o deferimento da recuperação devem ser pagos pela empresa de forma regular. O não pagamento, mesmo em recuperação judicial, pode levar a ações de rescisão indireta, conforme recente Tese Vinculante do TST.
O segundo ponto refere-se às estabilidades. Nesse tocante, como nos casos de dirigentes sindicais, o afastamento somente seria possível por justa causa, pois a recuperação judicial não extingue o contrato de trabalho.
A recuperação judicial não suspende as obrigações trabalhistas, tampouco autoriza alterações contratuais unilaterais ou reduções de direitos. A gestão de contratos de trabalho nesse contexto exige rigor técnico, cautela jurídica e diálogo com os sindicatos.
O sucesso da recuperação judicial depende de uma gestão trabalhista estratégica e juridicamente embasada. Mais do que cumprir a lei, é preciso adotar medidas que preservem a confiança dos empregados e garantam a sustentabilidade da empresa.
Para mais informações, a equipe de Relações do Trabalho do David & Athayde se coloca à disposição para auxiliá-los em demandas acerca do tema.