Por Daniel Bernardo, sócio do David e Athayde em 27/08/2025
A rápida transformação digital tem revolucionado o mercado de trabalho, especialmente no setor do e-commerce, meio em que a terceirização digital e a inteligência artificial desempenham papéis centrais na gestão da força de trabalho.
Plataformas digitais permitem a terceirização de atividades antes desempenhadas internamente, enquanto sistemas de IA controlam rotinas, monitoram desempenho e automatizam decisões gerenciais. Esse contexto suscita uma profunda reflexão jurídica, pois as relações de trabalho tradicionais, regidas pela CLT, norteiam-se em conceitos clássicos que parecem se desdobrar diante da automação e da terceirização digital.
A Lei n.º 13.429/2017, que alterou significativamente os artigos da Lei 6.019/1974, ampliou a possibilidade de contratação de serviços terceirizados, inclusive para atividades-fim. Em paralelo, o artigo 6º da CLT, com seu parágrafo único, reconhece que a subordinação pode se dar por meios telemáticos e informatizados, o que abrange o controle exercido por sistemas de IA. Tal previsão/interpretação legal representa um avanço importante para enquadrar as novas formas de gestão e controle.
Contudo, a aplicação prática desse entendimento promove desafios.
Em um primeiro aspecto, deve-se observar que a subordinação algorítmica, ou seja, exercida por softwares e algoritmos que determinam tarefas, avaliam produtividade e decidem penalidades, evade-se ao contato direto com o empregador tradicional, dificultando a caracterização do vínculo empregatício. Nesse cenário, o trabalhador é direcionado por comandos programados e pela coleta de dados realizada por aplicativos. Logo, apesar da ausência de subordinação clássica, essa forma de controle é considerada uma nova dimensão da subordinação jurídica, na qual a autonomia do trabalhador é limitada pela gestão algorítmica.
A jurisprudência do TST ainda apresenta decisões divergentes nesse aspecto, pois algumas turmas reconhecem a subordinação algorítmica como suficiente para vínculo, como é o caso das 2ª e 8ª Turmas, por exemplo. Outras, como as 1ª e 4ª Turmas, destacam a autonomia e a ausência de hierarquia típica das plataformas digitais.
Analisando a questão pela ótima do Princípio da Primazia da Realidade, pode-se observar ainda que o tema é ponto central em debates sobre a autonomia dos trabalhadores, pois muitos desses atuam em regime flexível, definindo seus horários e condições. Logo, tal situação remete ao conceito de “trabalho autônomo”, cujas relações jurídicas não se enquadram no regime da CLT, mas na legislação civil e comercial.
Diante de cenário complexo, há necessidade de uma abordagem jurídica equilibrada que reconheça a subordinação algorítmica como forma legítima de controle trabalhista, mas que também respeite a autonomia do trabalhador, quando real.
O Direito do Trabalho deve se adaptar para proteger os trabalhadores vulneráveis às novas formas digitais de gestão, contudo não se pode ignorar as novas formatações, que muitas vezes obrigarão os empregadores a também passarem por adaptações que necessitarão de um novo pensar/olhar da Justiça Trabalhista.
O caminho do progresso não pode ser outro: é necessário o desenvolvimento de normativas específicas para regular a terceirização digital e o uso da IA, garantindo transparência, direitos e fiscalização efetiva, de modo a tornar a relação de prestação e serviço equilibrada, não prejudicando principalmente os fomentadores de novos meios de serviço.
A terceirização digital e a inteligência artificial representam desafios inéditos para o Direito do Trabalho brasileiro. É imprescindível que o ordenamento jurídico evolua para contemplar as particularidades dessas relações, promovendo um equilíbrio entre a proteção dos trabalhadores e o estímulo à inovação. Para isso, é fundamental o diálogo entre legisladores, operadores do Direito, empresas e sociedade civil, a fim de construir soluções que garantam direitos e promovam o desenvolvimento sustentável do e-commerce e da economia digital.